Sunday, October 25, 2009

JUSTIÇA?

Agora que se enceta uma nova legislatura, vem a propósito lembrar uma das mais infelizes áreas de todo o pós-25 de Abril. Não falo de antes porque era tenebrosa e iníqua. Não cairei na tentação de dizer que é pior, nem sequer que nada foi feito. Porém, para o comum dos cidadãos a aparência é de que quase nada mudou e que a justiça que temos é essencial e intrinsecamente injusta. Porque justiça pressupõe equilíbrio, igualdade perante a lei e nada disso existe de facto. Mas vamos à mensagem que me motiva.
Dizia há dias o ilustre bastonário da advocacia, referindo-se ao estado da justiça, "fujam". Pois é esse mesmo o sentimento de todos os cidadãos indefesos perante a máquina da justiça. Em de vez de ser um abrigo dos indefesos em relação à malandragem, todos temos a sensação que no dia em que inocentes cairmos nas suas malhas, qualquer que seja o lado em que estivermos, nada podemos contar com ela. Nesta linha de pensamento, um outro aspecto que não posso deixar de referir aqui é o de que me senti há alguns anos tão desrespeitado e maltratado pelo colectivo de juízes presentes enquanto simples testemunha de um amigo que, acusado sem culpa de algo de que acabaria absolvido. A forma sobranceira e inquisitorial como tratam e invectivam as testemunhas é de tal forma chocante que estas se sentem culposas. Os senhores juízes são cidadãos iguais aos demais e devem tratar todos os cidadãos, acusados ou simples testemunhas com todo o respeito. Já basta a posição superior em que se colocam para amesquinhar todos os demais. Até isso devia acabar.
Não fale a pena falar aqui demoradamente da gasta questão dos prazos. Um amigo advogado dizia-me há tempos, a propósito, àcerca dos volumosos processos que levam anos a ser julgados, que isso é "a Justiça a funcionar". Mas, o cidadão vulgar pode perguntar-se: a funcionar para quem? para os juízes, os magistrados, os advogados? Mas a justiça não é para eles que são os agentes da justiça! A justiça é para a sociedade, para julgar os acusados, inocentar os inocentes, condenar os culpados, indemnizar os prejudicados, etc. E se os processos não forem céleres não há justiça possível. E quem são os principais e tantas vezes os únicos responsáveis pela demora dos processos: os seus próprios juízes titulares que deveriam ser os primeiros a salvaguardar este aspecto da justiça, sem o qual não há justiça verdadeira.
Outro aspecto preocupante tem a ver com a qualidade dos próprios agentes da justiça. Todos estamos lembrados das infelizes declarações e invectivas trocadas entre os principais e mais altos agentes da justiça. Que falta de nível! Numa área em que a discrição deveria ser a característica principal, parece que a descrença na justiça atinge os seus principais responsáveis ao ponto de estes sentirem necessidade de sacudir o capote e apontarem o dedo aos demais, como se eles próprios enquanto responsáveis não tivessem culpas no cartório. Quantas vezes já ouvimos prometer publicamente prazos para encerrar processos de investigação que não são cumpridos? E não se diga que o poder legislativo é o primeiro responsável, porque ao mais nível da magistratura não há consensos mínimos para reformar o indispensável. Basta recordar qualquer das habituais cerimónias de abertura dos chamados "anos judiciais" (já agora, porque é que o ano judicial não coincide com o ano civil de todas as demais actividades? não deveria acabar também este resquício do passado?) para ver apontar o dedo aos confrades. Todos estamos lembrados de juízes a acusar juízes, de juízes a acusar magistrados, de sindicalistas a denunciar sindicados, etc. É o desnorte na justiça. Tem, por isso, o terreno armadilhado o novo ministro da justiça. Tem assim muito que fazer e a primeira é a de, continuando o esforço que foi iniciado antes, chamá-la à realidade, pô-la a trabalhar todo o ano como em todas as demais actividades, e trazê-la para mais perto dos cidadãos.

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